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Eleições 2022

Vijay Prashad aponta os limites aos projetos de esquerda na América Latina na atualidade

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Intelectual indiano fala sobre os horizontes de uma agenda progressista e consequências da guerra na Ucrânia

Vijay Prashad analisa o cenário político da América Latina: “o Chile define as possibilidades da esquerda hoje na América Latina” – William Campos

Os movimentos devem criar novas possibilidades. Neste momento, na América Latina, não estão visíveis

A eleição no Brasil, que terá seu 1º turno em 2 de outubro, se encaixa em um contexto efervescente na América Latina, que estaria vivendo uma 4ª onda de movimentos de esquerda. De qualquer forma, as vitórias de Gabriel Boric, no Chile, e de Gustavo Petro, na Colômbia, expõem possibilidades e limites aos movimentos de esquerda no continente. Algo que afetaria até mesmo um possível governo de Lula, em 2023. Essa é a análise do cientista político e pesquisador indiano, Vijay Prashad.

Na sua análise, o atual cenário político não seria “um momento propício para as pautas da esquerda.” Desse modo, é uma consequência lógica que governos de centro-esquerda tenham ganhado espaço. “O governo de Gabriel Boric não é um ponto fora da curva. Ele define as possibilidades na América do Sul. Veja o que acontece hoje na Argentina, a campanha contra Cristina Kirchner sugere que você não pode ir demais para a esquerda ou será puxado de volta. Acho que um governo Lula também enfrentará isso.”

Isso porque a conjuntura para a elaboração de projetos políticos a partir de revoltas populares não é das mais favoráveis. Ainda que Prashad enxergue a Colômbia como exceção. “Chegamos a um ponto, desde a Primavera Árabe de 2011, quando tivemos enormes protestos, em que as pessoas protestam, mas esses protestos não necessariamente levam a mudanças políticas. O único país que mostrou ciclos de protestos levando a mudanças foi a Colômbia, onde um grande ciclo, que começou em 2016, quando o Acordo de Paz foi assinado, e depois 2019, 2020 e 2021, que uniu os movimentos sociais e a esquerda para guiar uma campanha eleitoral que elegeu Gustavo Petro e Francia Márquez.

O desafio para o Brasil, por exemplo, estaria em saber enfrentar esse novo modo de ação da extrema direita, mesmo em uma eventual derrota de Bolsonaro. “O primeiro (fator) é que eles sabem manipular as comunicações e a mídia. O segundo é que encontraram uma forma de reunir esse eleitorado insatisfeito, pessoas que podem ser pobres, mas estão insatisfeitas com o processo de transformação social. E usaram esse descontentamento para construir um grande eleitorado de 30 ou 35%. É um belo eleitorado! Um eleitorado permanente. Trump continua tendo 30% das pessoas dos EUA ao lado dele. É tudo que você precisa! É muito, porque a esquerda tem 5, 6 ou 8%. Então não podemos dizer que 30% não é nada.”

Também abordamos com o cientista político as consequências da Guerra da Ucrânia depois de seis meses, a política interna da Índia e a investigação que ele realizou no Chile, com foco no lítio e no “nacionalismo dos recursos”.

Leia a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Vijay, completamos seis meses de guerra na Ucrânia no fim de agosto. Podemos dizer agora que o que está sendo consolidado é uma divisão em dois blocos, um liderado pelos EUA e alguns países europeus, outro por China e Rússia?

Vijay Prashad: Para mim, são três blocos. O terceiro bloco não quer ser liderado por ninguém e, na verdade, gostaria que o conflito acabasse amanhã. Afinal, o que esse conflito gerou à maior parte do mundo? Aumento no preço dos alimentos e dos combustíveis. Então muitos países dizem: “Este conflito não é nosso e queremos que acabe”. Existe realmente uma divisão, mas ela não está restrita à guerra na Ucrânia. Já existia antes. Aliás, essa divisão provocou a guerra. Os EUA andavam muito preocupados por ver a integração entre Europa e Ásia. Ver a energia russa entrando no Leste Europeu e depois na Alemanha e no resto da Europa. Ver o investimento chinês em tecnologia chegando à Europa.

A Europa se encontrava em uma posição curiosa. Racionalmente, ela deveria se integrar à Ásia. Mas, politicamente, ela está ligada à OTAN, a seus membros, aos EUA, um vínculo que atravessava o Atlântico. A Europa está no meio do fogo-cruzado e já faz um bom tempo. Para mim, foram os EUA que provocaram um conflito pedindo à Europa para escolher, em certo sentido, entre os EUA e a Rússia e a China. Repare que a Rússia e a China não exigiram nenhuma escolha da Europa. A Rússia só queria vender energia aos europeus. Os chineses só queriam investir e oferecer tecnologia à Europa. Eles não provocaram a divisão. Foram os EUA. Então, sim, existe uma divisão, mas não uma em que ambos os lados se deram as costas.  Na verdade, os EUA estão impondo um conflito e é isso que estamos vendo não só na Ucrânia como também em Taiwan.

Em relação a esse terceiro bloco de países ou, digamos, esse bloco fragmentado, como outros países grandes, como a Índia, encaixam-se nesse contexto?

A Índia está em uma posição interessante. Isso porque o governo de extrema direita da Índia tem laços estreitos com os EUA, em termos políticos e afetivos. Mas a Índia tem duas questões com o conflito na Ucrânia. A primeira é que o país tem uma ligação próxima e longa com a Rússia. Não só porque, por exemplo, a Rússia lhe provê armas, mas também porque existiu um laço histórico entre a União Soviética e a Índia, que remonta à década de 1950. É difícil quebrar esse laço. A segunda questão é que a Índia é um país de 1,4 bilhão de pessoas, sendo que 700 milhões delas estão sofrendo com a inflação e outras coisas. E os russos disseram que estão dispostos a vender a eles petróleo, gás natural, o que quiserem, com desconto. Então os indianos disseram: “É claro que vamos comprar o seu petróleo com desconto”.


Governo indiano se divide entre conexões históricas e econômicas com a Rússia e uma tendência atual de se aproximar dos EUA / William Campos

Mas não devemos interpretar mal os fatos. Não significa que a Índia rompeu com os EUA. É que, do ponto de vista pragmático, a Índia precisa comprar petróleo russo e tem relações antigas com a Rússia. É também o caso de muitos países do continente africano. Eles não podem romper com a Rússia porque estão integrados de uma forma ou de outra com a economia russa. Nos anos 1990, os EUA conduziram uma política de globalização. Isso fez os países se integrarem, mas agora os EUA estão dizendo que querem dividir o mundo em dois em uma esfera de influência estadunidense e, outra, de influência chinesa. Não vai acontecer. Isso vale até para o Brasil. Bolsonaro é uma figura pró-EUA, mas nem mesmo ele pode romper com a China. Ele tem que continuar vendendo bens primários e outros produtos à China. Então essa tentativa de quebrar laços com a Rússia ou a China é complicada. Eu queria que as pessoas não superestimassem as mudanças que estão ocorrendo no mundo hoje. Mas, por outro lado, precisamos entender que o projeto de imposição dos EUA não é um projeto viável para muitos países.

Entre as consequências que você mencionou desse panorama de acontecimentos, estão as sanções, que geraram necessidades urgentes. Uma delas é o combustível, energia, cujos preços dispararam. A outra são os alimentos. A questão da fome. Que desafios isso traz ao campo popular?

Em primeiro lugar, dificulta o cotidiano das pessoas. Quanto mais difícil é o dia a dia, mais desmoralizadas as pessoas ficam. Elas não têm tempo para protestar, não têm dinheiro para entrar nos ônibus e ir ao protesto. É preciso entender a situação desse ponto de vista. Alimentos e combustíveis caros desmoralizam a sociedade. De fato, não necessariamente geram protestos. Mas em alguns lugares estamos vendo grandes manifestações. No Sri Lanka, houve um enorme levante popular que destituiu o primeiro-ministro, mas não mudou o equilíbrio de forças no país porque o (governo interino) “cuidador” que substituiu o presidente e primeiro-ministro está basicamente seguindo a mesma política do governo anterior. Ainda assim, houve um enorme levante.

Mas chegamos a um ponto, desde a Primavera Árabe de 2011, quando tivemos enormes protestos até aqui, em que as pessoas protestam, mas esses protestos não necessariamente levam a mudanças políticas. O único país que mostrou ciclos de protestos levando a mudanças foi a Colômbia, onde um grande ciclo, que começou em 2016, quando o Acordo de Paz foi assinado, e depois 2019, 2020 e 2021, uniu os movimentos sociais e a esquerda para guiar uma campanha eleitoral que elegeu Gustavo Petro e Francia Márquez. A Colômbia é uma exceção em relação à maioria dos países agora, que estão vivendo grandes manifestações seguidas de frustração política.

Como você vê ascensões como a de Gustavo Petro e também Gabriel Boric, no Chile. Qual mensagem, que tipo de movimento ou tendência eles estão apontando?

A política é um negócio interessante. Não dá para fazer coisas se o equilíbrio de forças do seu país não é suficientemente favorável a certas pautas. Se o movimento sindical ou o movimento campesino estiver fraco, se os trabalhadores precários estiverem desorganizados e fragmentados, não dá para empurrar pautas totalmente populares. Temos que encarar alguns fatos. Atualmente, na maioria dos países, os movimentos populares estão enfraquecidos. Não puderam consolidar sua potência. Não temos a capacidade de levar adiante uma agenda completa.

Na minha opinião, na América Latina houve quatro ondas desde a Revolução Cubana. Os movimentos revolucionários imediatos pós-1959 foram destruídos pelas ditaduras militares. Foi o caso do Brasil em 1964. A segunda foi a onda da Nicarágua, em Granada, em 1979. Foi novamente uma onda de forças nacionais de libertação que tomaram o poder e foram derrubadas por intervenções militares diretas dos EUA. Não usaram um (Augusto) Pinochet, nem generais como no Brasil, intervieram diretamente. A terceira onda foi a de (Hugo) Chávez em 1998 ou 1999. Como os EUA estavam distraídos pelo Iraque e as commodities estavam caras, essa onda conseguiu fazer muita coisa: integração regional, projetos populares, etc. A era Chávez abriu novas portas em diversos lugares da América do Sul, principalmente.

Agora, o preço das commodities despencou, movimentos populares foram fragmentados devido à longa crise econômica, mas também devido à pandemia. Estamos em uma posição em que os EUA estão contestando a China na América Latina. Não é um momento propício para as pautas da esquerda. Por isso acho lógico que governos de centro-esquerda tenham aparecido. O governo de Gabriel Boric não é um ponto fora da curva. Ele define as possibilidades na América do Sul. Veja o que acontece hoje na Argentina, a campanha contra Cristina Kirchner sugere que você não pode ir demais para a esquerda ou será puxado de volta. Acho que um governo Lula também enfrentará isso.

O que os movimentos populares precisam reconhecer, de certo modo, é que eles precisam se fortalecer e mudar as condições na sociedade, criando a estrada por onde os políticos poderão passar. Os políticos não podem criar essa estrada. São os movimentos que devem criar novas possibilidades. Neste momento, na América Latina, essas alternativas não estão tão visíveis.

Recentemente você esteve no Chile para investigar a questão do lítio. O que esse recurso pode nos mostra sobre os desafios políticos do campo popular?

Naturalmente, existe uma preocupação geral sobre a dependência de combustíveis à base de carbono. Muitos dos combustíveis neutros em carbono, como a energia solar ou hidrelétrica, exigem formas de armazenar energia. Principalmente a solar. Energia solar precisa de baterias. Ora, a tecnologia atual para baterias exige coisas como o lítio. O lítio é um componente essencial do mundo da nova “energia verde”. Estão todos animados com a transição verde, mas eu estou interessado no que é preciso para produzir tecnologia verde. Uma peça-chave é o lítio. Então vamos lá ver onde o lítio é produzido. Boa parte do lítio mundial, não todo ele, um pouco está na Austrália, um pouco em Cornwall, no Reino Unido, mas boa parte do lítio que se conhece está nos chamados países “ABC”: Argentina, Bolívia e Chile.


Prashad afirma que para entender os dilemas da energia verde é necessário olhar para a cadeia industrial do lítio / William Campos

O deserto do Atacama, no Chile, tem um imenso depósito de lítio. O problema, que já é conhecido, é o uso excessivo de águas subterrâneas do deserto. Água subterrânea preciosa. O Chile tem uma grande questão com as fontes hídricas. O uso excessivo dessa água como solução salina é para extrair o lítio como minério pouco processado e depois exportá-lo. Estávamos interessados em ver isso. A população está perdendo as águas subterrâneas, tem toxinas na atmosfera, os flamingos estão sendo extintos.

É muito difícil chegar realmente até as minas porque uma das principais empresas privadas de mineração é do genro do Augusto Pinochet. Até hoje! Pinochet morreu e acabou, a ditadura também, mas o genro dele ainda é o dono de uma das maiores companhias de mineração de lítio do Chile. Estávamos interessados em explorar isso.

Agora, isso nos leva a outra pergunta: O que está acontecendo para lá da fronteira, na Bolívia? Desde que Evo Morales tomou o poder pela primeira vez, foi colocado sobre a mesa o conceito de “nacionalismo de recursos”. A verdadeira pergunta é: depois de extrair o minério, o que fazer com ele? Países como o Chile vendem tudo para as multinacionais, a baixos royalties. O projeto boliviano é diferente. “Podemos extrair o lítio, processá-lo na Bolívia, fazer baterias na Bolívia e depois fazer carros elétricos?” E, de fato, conseguiram. Mas até eles estão enfrentando um problema. Eles não têm capital suficiente para continuar atualizando a cadeia boliviana que vai da mina ao carro elétrico. Então também estão recorrendo às multinacionais para pedir ajuda. Então queríamos explorar os problemas dessa situação. Das duas “transições verdes”, mas também do nacionalismo de recursos.

Falando de Brasil, com uma possível vitória de Lula, como isso influenciaria, primeiro, a América Latina, mas também, num cenário mais amplo, os BRICS e esses eixos que estávamos discutindo?

Lula foi um dos primeiros presidentes brasileiros a estar no centro de eventos mundiais. Para ser sincero, eu conheço o (Fernando Henrique) Cardoso de nome, mas porque ele era um economista. Conhecia o trabalho técnico dele antes de se tornar presidente. Quando Cardoso era presidente, ele não estava para todo lado fazendo um monte de coisas. O Bolsonaro é conhecido pela atitude de palhaço dele pelo mundo, não por causa de suas declarações de estadista no palco mundial. Mas o Lula, sim.

Quais eram exatamente os motivos pelos quais Lula era conhecido? Isso é importante porque será traçada uma linha reta desde o segundo mandato do Lula até este novo possível mandato. Primeiro, por sua relação com a África prévia à questão dos BRICS. O Lula viajou à África, começou criando vínculos com os países lusófonos, e argumentou que, por causa do tráfico de escravizados pelo Atlântico, a África e o Brasil têm uma ligação. Estou interessado em ver o Brasil na África de novo para contestar o que os EUA e a França estão fazendo lá. Abrir espaço para que os países africanos tenham uma ligação Sul-Sul, em vez de serem reintegrados às trajetórias estadunidenses e europeias. Isso seria algo interessante.

O BRICS é complicado, porque, de certo modo, nos últimos anos, a China e a Rússia desenvolveram seus próprios laços bilaterais, o que inclui laços estratégicos. Não tenho certeza se os cinco países do BRICS conseguirão estar em pé de igualdade neste próximo período. Quero crer que sim.

Um dos países do BRICS é a Índia. A Índia participaria desse plano? Se o conflito na Ucrânia terminar, será que a Índia vai manter essa nova postura de independência? Eu não sei. Então não está claro se os BRICS serão uma grande via daqui adiante.

De qualquer forma, essa ideia de o Brasil voltar a ser um ator importante no mundo será importante. O Brasil teve um papel decisivo nas negociações sobre o Irã. O Lula conseguiu um acordo com o Irã que depois foi quebrado pelos EUA. Infelizmente, porque era um bom acordo. Se o Brasil voltar a moderar algumas dessas coisas, acredito que será um grande avanço para a defesa mundial.

Falando um pouco sobre a Índia, mas também sobre esses padrões da extrema direita que chegaram ao poder, Assim como no Brasil, na Índia, o (Narendra) Modi chegou ao poder por vias eleitorais, embora ele tenha usado meios como as fake news. Nós percebemos um padrão entre eles, incluindo Trump e Bolsonaro. Para chegar ao poder, essas figuras e grupos tiveram métodos e táticas. Olhando para esse novo ciclo, e colocando a Índia nesse mesmo barco, você acha que eles poderiam continuar se fortalecendo ou acha que já superamos a pior parte?

Eu acho que não. Se o Sr. Bolsonaro perder as eleições em outubro, a política bolsonarista continuará com vocês por um bom tempo. Que política é essa? Eu e você somos jornalistas. Entendemos um pouco sobre como a mídia funciona. Mas também acreditamos na verdade, em dizer o mesmo em diferentes canais, se estou falando com o Brasil de Fato aqui e digo alguma coisa, depois vou dizer o mesmo no meu Facebook, vou dizer o mesmo para a minha família. A gente tenta ser coerente e tal. Nós temos que aceitar o fato de estar lidando com uma extrema direita que é profissional em mídia. Eles sabem usar a mídia. Eu vi o Sr. Bolsonaro, por exemplo, dizer uma coisa a um veículo de extrema direita, dizer uma coisa superofensiva nesse veículo. Quando um grande jornal pergunta por que ele disse aquilo, ele responde: “Nunca disse isso”.

Eles entendem os diferentes tipos de formatos e como devem se comportar. Posar com a arma um dia, ir a outro lugar de terno. Eles sabem fazer isso. E construíram um eleitorado de pessoas que também sentiam que não podiam falar abertamente sobre as coisas ofensivas que queriam dizer. Toda sociedade tem um contingente de pessoas que se sentem proibidos de ser ofensivos. Não podem ser sexistas, não podem ser racistas… E “coitadinhos” deles, sinto muito! Mas esse “sinto muito” é da minha perspectiva. Ou seja, que bom que vocês não podem ser racistas abertamente sem algum tipo de punição.

Mas aí esses políticos apareceram. E fizeram uma coisa esperta. Notaram a crise econômica, mas que ela não existia por causa do capitalismo, e, sim, por causa dos homossexuais, por causa das mulheres no mercado de trabalho, do feminismo, por causa dos migrantes. Usaram esse sentimento de não poder dizer coisas ofensivas para explicar a crise do capitalismo.

Então os donos de propriedades estão muito satisfeitos com esse pessoal. Esse é o real motivo por que não é preciso suspender a democracia para essa tendência política continuar. O Sr. Modi foi eleito, como você disse. Eles não querem obedecer a Constituição, mas estão perfeitamente contentes em usar as vias democráticas para criar esse eleitorado. Ou seja, o “espírito democrático” pode estar desaparecendo, mas as instituições democráticas ainda estão aí. Não são pessoas que querem fazer um golpe fascista. Por que deveriam? Se você consegue se eleger, por que parar as eleições? Não faz sentido. É um novo tipo de política.

Mas há esses dois fatores aqui. O primeiro é que eles sabem manipular as comunicações e a mídia. O segundo é que encontraram uma forma de reunir esse eleitorado insatisfeito, pessoas que podem ser pobres, mas estão insatisfeitas com o processo de transformação social. E usaram esse descontentamento para construir um grande eleitorado de 30 ou 35%. É um belo eleitorado! Um eleitorado permanente. Trump continua tendo 30% das pessoas dos EUA do lado dele. É tudo que você precisa! É muito, porque a esquerda tem 5, 6 ou 8%. Então não podemos dizer que 30% não é nada.

Sobre a Índia, o Partido Comunista governa o estado de Kerala. Você acha que isso é um exemplo ou modelo de sucesso de um governo de esquerda?

Sinceramente, a frente democrática de esquerda que governa Kerala está sempre experimentando. Não me sinto confortável com a ideia de alguém sendo modelo para alguém. Porque o socialismo é uma forma de experimentação. Você faz algumas coisas, algumas não dão certo. Você faz as coisas com honestidade para melhorar não só as condições de vida das pessoas, como também a confiança delas.

Porque queremos que as pessoas possam, cada vez mais, resolver seus problemas. Não queremos construir um mundo em que todo mundo dependa do governo. Queremos que as pessoas sintam confiança para se reunir coletivamente e resolver seus problemas. Em Kerala, há muitas tentativas de resgatar a vida coletiva. Durante a pandemia de covid-19, movimentos de estudantes, de jovens, de mulheres foram, de porta em porta, na cidade de Trivandrum, capital de Kerala, para perguntar às pessoas se elas precisavam de alguma coisa, se estavam bem, se precisavam de remédios. E aí eles ajudavam, compravam remédios para elas. Como consequência, uma das jovens mulheres do movimento de jovens que fez isso agora é a prefeita de Trivandrum. Ela tem 21 anos. O nome dela é Arya Rajendran.

Sim, coisas imensas estão acontecendo. Darei um exemplo. O estado de Kerala decidiu oferecer acesso universal à internet de alta velocidade. Então, 20% da população abaixo da linha da pobreza receberá internet gratuita do governo. O resto poderá ter acesso a isso, mas, se não quiserem, podem contratar serviços privados. Essa é a escolha que as pessoas têm que fazer. Há escolas públicas de alta qualidade e escolas particulares. Quer gastar um monte dinheiro? Pode gastar. Mas o que vemos é que, conforme aumenta a qualidade da escola pública, as crianças estão saindo das particulares e voltando às escolas do Estado. São experimentos de construção de confiança nas pessoas em um projeto mais ou menos de esquerda.

Edição: Thales Schmidt – Brasil de fato

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Eleições 2022

Eduardo Leite é o primeiro governador reeleito da história do Rio Grande do Sul

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Conheça a história de Eduardo Leite, governador eleito neste domingo (30)

Neste domingo (30) ocorreu às Eleições para escolha de presidente e governadores em todo o Brasil. O ex-governador e reeleito para estar a frente do Rio Grande do Sul no próximo ano, Eduardo Leite (PSDB), superou Onyx Lorenzoni (PL) nas urnas. Ele é o primeiro governador a ser reeleito na história do Estado.

História de vida

Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite nasceu em Pelotas no dia 10 de março de 1985. É bacharel em direito e filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Foi governador do Rio Grande do Sul entre 2019 e 2022, quando renúnciou para concorrer ao cargo novamente. Anteriormente, foi prefeito de Pelotas de 2013 a 2017, cidade onde também foi vereador.

Filho de Eliane Cavalheiro, professora de ciências políticas, e José Luiz Cavalheiro Leite, conhecido como Marasco, advogado que concorreu à Prefeitura de Pelotas em 1988, pelo PSDB, quando ficou na última colocação. O caçula de três irmãos, Leite era chamado de “Dudu” durante a infância.

Leite interessou-se pela política ainda durante a infância. Aos sete anos de idade, assistia ao horário eleitoral gratuito e, durante a eleição presidencial de 1994, costumava visitar o comitê da campanha de Fernando Henrique Cardoso. No Colégio São José, foi escolhido representante de turma e presidente do Grêmio Estudantil.

Em 2002, após concluir o ensino médio, ingressou no curso de direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Em 2007, concluiu seu bacharelado em direito, tratando da improbidade administrativa no direito brasileiro em seu trabalho de conclusão de curso. Por não possuir registro no Conselho Federal da Ordem dos Advogados, conferido aos aprovados no exame da OAB, não pode exercer a advocacia. Posteriormente, estudou políticas públicas na Universidade Columbia, em Nova Iorque, e, quando de sua candidatura a governador, cursava mestrado em gestão pública na Fundação Getúlio Vargas.

Vida política

Em 2001, Leite filiou-se ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Na eleição de 2004, concorreu a vereador de Pelotas, obtendo 2 937 votos, resultado que lhe classificou como primeiro suplente. Posteriormente, convidado pelo prefeito Bernardo de Souza, presidiu o Conselho de Assistência Social e trabalhou como assessor e secretário interino da Secretaria Municipal de Cidadania. Na década de 1980, seu pai foi secretário de Bernardo; Leite alegou que sua indicação não foi política, mas pelo “reconhecimento” de seu trabalho.

Em 2006, Bernardo afastou-se do governo e o novo prefeito Fetter Júnior nomeou Leite seu chefe de gabinete. Nesta posição, afirmou que “todos os problemas da cidade antes de chegar às mãos dele [o prefeito] passavam pelas minhas mãos. E a minha tarefa era fazer os problemas chegarem menores ou mesmo nem chegarem.”

Na eleição de 2008, Leite concorreu novamente ao cargo de vereador, sendo desta vez eleito com 4 095 votos. No Legislativo municipal, apresentou projetos de lei que versavam sobre transparência nos gastos públicos, como o Código de Ética da Câmara, e o da publicação e redução das diárias do legislativo. Integrante da base aliada de Fetter Jr., foi líder da bancada do PSDB e presidiu a Câmara Municipal de 2011 a 2013. Nas eleições estaduais de 2010, concorreu a uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Leite recebeu 21 372 votos, dos quais 18 526 eram provenientes de Pelotas, o que lhe rendeu a sexta suplência da coligação.

Na eleição municipal de 2012, Leite candidatou-se a prefeito de Pelotas pela coligação Pelotas de Cara Nova. Com o apoio do prefeito Fetter Jr., conseguiu formar uma ampla aliança de partidos (PSDB, PR, PDT, PP, PPS, PRB, PSD e PTB), tendo como candidata a vice-prefeita a professora universitária Paula Mascarenhas, do PPS.

Em 1º de janeiro de 2013, Leite assumiu o cargo em uma cerimônia realizada na Praça Coronel Pedro Osório, tornado-se o prefeito mais jovem da história de Pelotas. Como prefeito, era responsável por administrar um orçamento superior a R$ 760 milhões. Entre as ações de seu governo, conseguiu financiamentos de mais de R$ 110 milhões destinados a obras de infraestrutura e reestruturação do sistema de mobilidade urbana.

Em 2017, Leite morou cinco meses nos Estados Unidos para estudar gestão publica na Universidade de Colúmbia. De volta ao Brasil, foi um dos onze jovens escolhidos para um encontro com o ex-presidente norte-americano Barack Obama. Em novembro de 2017, foi eleito presidente do PSDB gaúcho em uma convenção realizada pelo partido. Neste mesmo evento, foi escolhido como o pré-candidato do partido ao governo do Rio Grande do Sul para a eleição de 2018.

Em 1º de janeiro de 2019, Leite foi empossado governador, pregando em seu discurso a convergência ao invés da “polarização inútil” e da “discórdia”. Alegando ser mais econômico, passou a morar na ala residencial do Palácio Piratini, se tornando o primeiro governante gaúcho a residir na sede do executivo desde Olívio Dutra.

No dia 28 de março de 2022, em entrevista coletiva concedida no Palácio Piratini, Leite anunciou que renunciaria ao cargo de governador para buscar concorrer à presidência da República. Além da saída do cargo, reafirmou sua permanência no PSDB e os diálogos para buscar uma “solução nacional”.

Eduardo Leite seguirá como governador por mais quatro (04) anos, reassumindo o cargo em janeiro de 2023.

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Eleições 2022

Luiz Inácio Lula da Silva é eleito presidente do Brasil

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Lula é o primeiro ex-presidente brasileiro a ser eleito para um novo mandato: relembre os fatos dessa trajetória

Luiz Inácio Lula da Silva é o primeiro ex-presidente brasileiro a ser eleito para exercer um novo mandato. Às 19h57, com 98,8% das urnas apuradas, o candidato do PT contava com 59.563.912, milhões votos e não podia mais ser alcançado pelo seu adversário, o atual ocupante do Planalto Jair Bolsonaro (PL), consolidando a vitória.

Não foi uma caminhada trivial. Nem para ele, tampouco para a democracia brasileira. Após uma condenação judicial em processos eivados por ilegalidades e conduzidos por um juiz considerado suspeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Lula enfrentou 580 dias de cárcere e foi impedido de concorrer às eleições de 2018, quando liderava as pesquisas de intenção de voto.

Após se tornar elegível em decisão da Corte em abril de 2021, o ex-presidente iniciou sua jornada para voltar à Presidência da República em uma quadra da história na qual o próprio arranjo democrático do país estava em risco.

“Tem uma frase do Paulo Freire que é fantástica, que eu utilizei para mostrar aos militantes do PT para falar da aliança com Alckmin: de vez em quando a gente precisa estar junto com os divergentes para combater os antagônicos. E agora nós precisamos vencer o antagonismo do fascismo, da ultradireita”, disse Lula na sabatina do Jornal Nacional, realizada em 25 de agosto. E o candidato do PT seguiu a ideia à risca.

Para viabilizar sua vitória e também assegurar estabilidade no mais que conturbado cenário político, Lula colocou como vice de sua chapa o ex-governador de São Paulo e um dos fundadores do PSDB, Geraldo Alckmin, hoje no PSB, traçando uma linha entre o que se pode definir como adversário e inimigo.

Ao mesmo tempo em que abriu ainda mais diálogo com os movimentos populares, alijados de qualquer possibilidade de participação na elaboração de políticas públicas em nível federal desde a derrubada de Dilma Rousseff, buscou interlocução com setores da sociedade refratários ao petismo.

Votação no primeiro turno

No primeiro turno, realizado no dia 2 de outubro, Lula obteve 57,2 milhões de votos, o que corresponde a 48,43% do eleitorado. Bolsonaro foi o primeiro candidato à reeleição a não liderar a votação no primeiro turno.  A partir de então, a campanha do petista trabalhou para fechar apoios entre ex-presidentes, outros candidatos e governadores.

Segundo Turno

A terceira colocada no primeiro turno, a candidata do MDB, Simone Tebet, confirmou o apoio a Lula poucos dias depois. Em pronunciamento transmitido pelas redes sociais, Tebet leu o documento que chamou de “Manifesto ao Povo Brasileiro”. Citando os quase 5 milhões de votos que recebeu no primeiro turno, afirmou que não está “autorizada a abandonar as ruas e praças enquanto a decisão soberana do eleitor não se concretizar”. 

:: Simone Tebet confirma apoio a Lula no segundo turno contra Bolsonaro ::

O quarto colocado, Ciro Gomes (PDT), não apoiou explicitamente Lula, mas seguiu a decisão de seu partido, que se posicionou pela volta de Lula ao Planalto. Ao contrário de Tebet, Ciro Gomes não participou de nenhum ato de campanha de Lula.  


Simone Tebet e Lula / Reprodução/Twitter – Ricardo Stuckert

Logo em seguida, somaram-se a Tebet o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que comandou o país entre 1995 e 2003. Em seu anúncio, FHC declarou seu apoio “por uma história de luta pela democracia e inclusão social”. 

FHC posta fotos com Lula e declara apoio ao ex-presidente: “Por uma história de luta”

Entre o primeiro e segundo turnos, os eleitores também assistiram aos debates presidenciais, que foram marcados pela desinformação e ataques.  

Jair Bolsonaro (PL) inviabilizou a troca de ideias no primeiro bloco do debate da TV Globo, na noite desta sexta-feira (28). Nervoso, Bolsonaro tentou forçar a versão de que fortaleceria o salário-mínimo, contrariando a informação dada por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que previa a desindexação do benefício da inflação. Por boa parte do debate, Bolsonaro insistiu no tema. 

Leia mais: Guedes planeja proposta que desvincula reajuste do salário mínimo pela inflação

“Parece que meu adversário está descompensado. Porque ele é um samba de uma nota só. Tô dizendo que mentiroso é o presidente Bolsonaro que mentiu 6.498 vezes durante seu mandato e que só nos programas de televisão nós conseguimos 60 direitos de respostas das mentiras que ele conta. É isso”, afirmou Lula em reação. 

Em outro debate, na TV Bandeirantes, Bolsonaro tentou colar ao Lula uma suposta ligação com Marcola, líder do PCC (Primeiro Comando da Capital). O petista, no entanto, reagiu. “O candidato sabe que quem cuida de crime organizado não sou eu. Quem tem relação com miliciano e crime organizado, ele sabe que não sou eu, e sabe quem tem. Sabe inclusive da culpabilidade que foi o crime organizado que matou a Marielle no Rio de Janeiro. Eu se tivesse pedido pra transferir, a gente transferia porque fui eu que fiz prisão de segurança máxima. Cinco prisões”, afirmou. 

Além dos atos oficiais de campanha, que incluiu debates, comícios e reuniões partidárias, o período também foi marcado por acirramento entre os militantes. Os mais recentes e que ganharam maior repercussão envolveram os bolsonaristas Roberto Jefferson, ex-presidente do PTB, e a deputada federal Carla Zambelli (PT-SP).  

Roberto Jefferson foi preso após atacar a tiros e com granadas agentes da Polícia Federal que foram cumprir uma ordem judicial de prisão do político no município de Comendador Levy Gasparian, no interior do Rio, em 23 de outubro. 

Jefferson se recusou a se entregar e a negociação para a sua rendição durou mais de oito horas e contou com a presença do candidato derrotado à presidência da República pelo PTB, Padre Kelmon. 

:: Roberto Jefferson ataca Polícia Federal com tiros e granada e deixa agentes feridos ::

Além da prisão determinada por medida do STF, Roberto Jefferson também teve uma nova prisão em flagrante determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, por suspeita de tentativa de homicídio dos dois policiais federais como reação à ordem de prisão anterior. No episódio, dois policiais foram feridos por estilhaços de granadas jogadas pelo ex-deputado contra os agentes. 

Zambelli, por sua vez, perseguiu à mão armada um homem negro, na região central de São Paulo, neste sábado (29). Em vídeo que circula nas redes sociais, a parlamentar aparece com uma arma em punho, correndo atrás de homem que se esconde em uma lanchonete. Amparada por assessores, Zambelli entra no local e ordena: “Deita no chão.”

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Zambelli também descumpriu propositalmente a Resolução 23.669/2021, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proíbe o porte de armas 24 horas antes das eleições. “Conscientemente estava ignorando a resolução e seguirei ignorando a resolução do senhor Alexandre de Moraes, porque ele não é legislador, é um membro do STF, ele não pode fazer lei, isso é ativismo judicial”, afirmou Zambelli.

Relembre os momentos mais importantes da trajetória de Lula até a eleição para seu terceiro mandato:

Condução coercitiva

Talvez o primeiro sinal de que os adversários do PT não estavam dispostos a seguir os limites da lei tenha acontecido em 4 de março de 2016. Naquele dia, o ex-presidente Lula foi acordado pela Polícia Federal (PF), que cercou o prédio em que morava em São Bernardo (SP). 

Era a famigerada condução coercitiva, determinada pelo então juiz Sérgio Moro sem que antes Lula tivesse recebido uma intimação ou convite para prestar depoimento. “Isso colide frontalmente com a Constituição brasileira e com as leis da República. Hoje, não só o ex-presidente Lula e seus familiares foram vítimas de um desrespeito à Constituição. Na verdade, toda a sociedade foi”, disse na ocasião o advogado do ex-presidente Cristiano Zanin.

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Sob uma cobertura ostensiva de toda a mídia comercial, Lula foi levado para o Aeroporto de Congonhas, com o objetivo aparente de ser transportado até Curitiba a mando de Moro. O espetáculo planejado pelo ex-juiz não se concluiu, e Lula prestou depoimento por cerca de três horas no escritório da PF no próprio aeroporto.

Ele foi seguido por centenas de militantes do PT e movimentos populares que cercaram o aeroporto para apoiar o ex-presidente. Depois, na sede do PT em São Paulo, deu um depoimento transmitido com exclusividade pela TVT. Em sua fala, ele criticou o “espetáculo midiático” feito em torno do fato e proferiu uma frase que, se já soava histórica na época, hoje soa profética: “Se tentaram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca tá viva, como sempre esteve”.

Impeachment

Escolhida por Lula para sucedê-lo no Palácio do Planalto, Dilma Rousseff foi eleita em sua estreia nas urnas, em 2010, com mais de 12 milhões de votos de vantagem sobre José Serra (PSDB) no segundo turno. A popularidade inicial da presidenta (e do petismo no governo) despencou após a onda de protestos de 2013. Ela ainda conseguiu se reeleger, em disputa apertada contra Aécio Neves (PSDB), mas, na prática, não conseguiu governar. O pedido de recontagem de votos feito pelos tucanos após a eleição deu a tônica do que seria o segundo mandato de Dilma.  

Diante do cenário turbulento, principalmente a partir de 2013, Lula chegou a ser cogitado como eventual candidato para retornar ao Planalto, mas manteve a lealdade à ex-ministra e então presidenta. Em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar em 2019 afirmou que “pode ter sido um erro meu, mas foi um erro em respeito ao direito da Dilma. Tinha muita gente que queria que eu fosse candidato, e eu dizia o seguinte: ela é a presidenta, ela tem o direito de ser candidata”. “Seria muito difícil eu chegar na Dilma, no Palácio do Planalto, na mesa da presidenta e falar ‘presidenta, saia que é minha vez agora’. Acha que eu ia fazer isso? Jamais.”

Com o avanço das movimentações pelo impeachment, Lula tentou usar sua habilidade política em busca da manutenção do mandato da aliada. Lutou o quanto pôde, mas os esforços foram em vão. O semblante abatido e choroso e a postura cabisbaixa do ex-presidente chamaram atenção enquanto Dilma fazia discurso ao deixar o Palácio do Planalto em maio de 2016, após a votação no Senado que confirmou o afastamento (provisório, naquele momento). Reconhecido desde o início da carreira política pela postura altiva, pela voz rouca empostada e pelo protagonismo, Lula se apresentou demonstrando fragilidade e cansaço. Triste, afirmou a jornalistas ao fim do discurso: “agora vou para casa”. 


No impeachment de Dilma Rousseff, Lula apresentou em público sinais de cansaço e desânimo / Antonio Augusto/Camara dos Deputados

Meses mais tarde, ao ser afastada de maneira definitiva, Dilma afirmou que estava enfrentando o segundo golpe de sua vida. “O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo.” 

Em entrevista, Lula corroborou. “Uma maioria eventual se juntou para tirar a presidente Dilma da Presidência da República. Uma maioria no Senado e uma maioria na Câmara resolveram afastar a presidenta. O que é um absurdo”. “É tão grave o que está acontecendo no Brasil que, mesmo os 81 senadores sabendo que a presidente Dilma não cometeu nenhum crime contra a Constituição, eles resolveram cassá-la politicamente por interesse”, complementou. 

A partir dali, recobrou a postura que marcou a vida pública e enfrentou, com peito aberto e olhos nos olhos, os desafios que foram colocados à frente dele. 

Depoimentos a Moro

Em maio e setembro de 2017, Lula prestou depoimentos ao então juiz Sérgio Moro, no âmbito da operação Lava Jato.  

No primeiro, Lula questionou os processos que sofria. “Como eu considero esse processo ilegítimo e a denúncia uma farsa, estou aqui em respeito à lei, à Constituição, mas com muitas ressalvas aos procuradores da Lava Jato”.  

Em diversos momentos, o ex-presidente e Moro travaram diálogos ríspidos. Lula acusou a operação de fazer uma força-tarefa para conseguir depoimentos que o incriminassem. “[Maio] foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para trazer todo mundo para dizer uma senha chamada Lula. Se não dissesse Lula, não valia”. 

Outro ponto de destaque foi a reclamação de que a PF apreendeu até os tablets do neto de Lula. “Aliás, eu queria aproveitar, já que o senhor falou dessa coerção, determine que a Polícia Federal devolva os iPads dos meus netos. É uma vergonha, iPad de neto de 5 anos está (em poder da PF) desde março do ano passado”, protestou Lula. 

Mas o central do embate foi o uso da apresentação de PowerPoint realizada por Deltan Dallagnol em uma coletiva de imprensa, que responsabilizava Lula de ser “comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato”. “Aliás, o dr. Dallagnol não está aqui, para explicar aquele famoso PowerPoint. Aquilo é uma caçamba, cabe tudo.” 

O segundo depoimento aconteceu em setembro do mesmo ano, após a condenação no caso do tríplex da construtora OAS, no Guarujá. A defesa do ex-presidente argumenta que a sentença não foi baseada em provas. 


Lula depôs presencialmente ao então juiz Sergio Moro no processo relativo ao tríplex de Guarujá / Reprodução/YouTube

Lula afirmou que o Ministério Público “está refém da imprensa” e questionou o juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba sobre sua isenção. “Vou chegar em casa amanhã e vou almoçar com oito netos, e uma bisneta de seis meses. Eu posso olhar na cara dos meus filhos e dizer que eu vim a Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?”. Moro respondeu: “Não cabe ao senhor fazer esse tipo de questionamento, mas de todo modo, sim.” 

Condenações 

Mas ainda não seria a última pancada que a jararaca receberia em seu calvário pelo sistema judicial brasileiro, que reúne muitos momentos marcantes. 

Um deles aconteceu em 20 de setembro de 2016, quando o então procurador da República e coordenador da Força Tarefa da Lava Jato Deltan Dalagnol apresentou oficialmente a denúncia contra Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao receber vantagens indevidas da empreiteira OAS. Segundo a denúncia, baseada em provas frágeis e depoimentos não corroborados, o prêmio do ex-presidente para facilitar a vida da empreiteira teria sido um apartamento triplex no edifício Solaris, no Guarujá, litoral paulista. 

Par não fugir da tendência da operação Lava Jato pela teatralidade, Dalagnol exibiu uma peça em PowerPoint em que descrevia Lula como “comandante máximo” e “maior beneficiário” dos esquemas de corrupção apurados pela Lava Jato. 

Sérgio Moro acatou a denúncia e, em 12 de julho de 2017, Sergio Moro condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação penal envolvendo um tríplex no Guarujá. 

Leia mais: Especial: A condenação de Lula no TRF4 e os esqueletos no armário da Lava Jato 

A denúncia foi depois confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em sessão no dia 24 de janeiro. O julgamento, que deveria ser uma possibilidade de avaliar os abusos da decisão de Moro, se mostrou desde cedo uma mera formalidade. 

No dia 6 de agosto de 2017, menos de um mês depois da divulgação da sentença em primeiro grau, o então presidente do TRF-4, em entrevista à Folha de S. Paulo, classificou a peça escrita por Moro como “irrepreensível”. “Fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a história do Brasil”. 

A votação unânime da 8ª Turma resultou na ampliação da pena aplicada pela 13ª Vara Federal de Curitiba: de nove anos e meio para 12 anos e um mês de prisão. 

“Cheguei ao tribunal esperando assistir a um julgamento justo, mas logo vi o procurador sentado com os juízes, tomando café, batendo papo, almoçando juntos. Foi inacreditável!”, afirmou na ocasião o advogado australiano Geoffrey Robertson, que atuava no Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e acompanhou o julgamento em segunda instância a pedido da defesa de Lula. 

Prisão

Lula teve a prisão decretada pelo então juiz de primeira instância Sérgio Moro na quinta-feira, dia 5 de abril de 2018.  

 Havia grande expectativa na militância em relação à decisão de Lula em acatar ou não a decisão. No sábado, dia 7, em São Bernardo do Campo (SP), na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, local onde iniciou sua trajetória política nos anos 1970, o ex-presidente fez um discurso histórico para milhares de apoiadores em vigília, e anunciou que se entregaria à Polícia Federal em Curitiba. 

Relembre: Leia a íntegra do discurso histórico de Lula em São Bernardo 

“Eu falei para os meus companheiros: se dependesse da minha vontade eu não ia, mas eu vou porque eles vão dizer, a partir de amanhã, que o Lula tá foragido, que o Lula tá escondido, e não! Eu não tô escondido, eu vou lá na barba deles pra eles saberem que eu não tenho medo, que eu não vou correr, e para eles saberem que eu vou provar minha inocência.” 

Durante a fala, que durou quase uma hora, o petista voltou a denunciar a perseguição judicial encabeçada por Sérgio Moro.  

“Eu acho que tanto o TRF4, quanto o Moro, a Lava Jato e a Globo, eles têm um sonho de consumo. O sonho de consumo é que, primeiro, o golpe não terminou com a Dilma. O golpe só vai concluir quando eles conseguirem convencer que o Lula não possa ser candidato à presidência da república em 2018.” 

O ex-presidente buscou motivar a militância para o período de resistência que se anunciava, e terminou o discurso carregado pela multidão presente. 


Lula reuniu milhares de pessoas no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC / Brasil de Fato / Julia Dolce

“Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia. Todos vão virar Lula e andar por esse país. A morte de um combatente não para uma revolução. Não adianta achar que tudo vai parar. O meu coração baterá no coração de vocês e pelos milhões de corações dos brasileiros”, finalizou. 

Tentativa de candidatura

Mesmo com a condenação, o Partido dos Trabalhadores confirmou a candidatura de Lula à presidência da República no dia 4 de agosto de 2018. O anúncio foi feito pela presidenta do partido, Gleisi Hoffmann (PT-PR), após a Convenção Nacional do partido, em São Paulo. 

“Essa é a ação mais confrontadora que fazemos contra esse sistema podre por parte da Justiça, que não faz outra coisa senão perseguir Lula”, destacou a parlamentar. 

Leia mais: Em Convenção Nacional, PT confirma candidatura de Lula e adia decisão de vice 

No dia 15 daquele mês, o partido registrou oficialmente a candidatura junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília. O ato foi acompanhado de uma marcha de militantes até o tribunal, em um ato pela liberdade de Lula. 

No dia 17, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou ao Brasil que fosse garantido a Lula o direito de exercer seus direitos políticos enquanto estivesse preso, incluindo o acesso aos membros do seu partido e à mídia e a participação na eleição presidencial. 

A insistência do PT era aprovada pelo eleitorado. Mesmo preso, pesquisa Datafolha divulgada em 22 de agosto daquele ano mostrava o ex-presidente com 39% das intenções de votos, na liderança da corrida pelo Palácio do Planalto. Bolsonaro já aparecia em segundo lugar, com 19%. Sem Lula, o atual presidente aparecia na frente, com 22%. 

Mesmo assim, o relator do registro da candidatura no TSE, ministro Luís Roberto Barroso contrariou a jurisprudência estabelecida pela própria corte e negou a candidatura de Lula, sendo seguido por outros cinco ministros no dia 1 de setembro de 2018. 

Libertação  

Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, exatamente 580 dias após ser preso.  

O então ex-presidente foi beneficiado por uma decisão tomada um dia antes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que definiu que ninguém deve começar a cumprir pena até que a tramitação de seu processo seja definitivamente encerrada. Até então, a jurisprudência da Corte determinava a prisão de condenados em julgamentos na segunda instância da Justiça. Esse entendimento havia sido formado durante a Operação Lava Jato e, com base nele, Lula teve sua prisão decretada enquanto ainda recorria de sentenças impostas pelo então juiz federal Sergio Moro. 


O ex-presidente discursou para integrantes da vigília que o acompanhou do lado de fora da prisão durante 580 dias / José Eduardo Bernardes/Brasil de Fato

Na época do julgamento no STF sobre as prisões em segunda instância, a expectativa para a soltura de Lula já era grande. Reportagens da Vaza Jato, produzidas pelo The Intercept Brasil e veículos parceiros, mostravam um conluio ilegal de Moro e procuradores da Lava Jato contra o ex-presidente. Assim que o STF concluiu sua sessão, na noite do dia 7, integrantes de movimentos sociais seguiram em caravanas para Curitiba e juntaram-se à Vigília Lula Livre exigindo a libertação de Lula. 

Ainda na manhã do dia 8, advogados de Lula entraram com um recurso na Justiça Federal do Paraná pedindo sua soltura com base na decisão do STF. Enquanto uma decisão não saia, milhares de pessoas organizavam-se em frente à sede da Polícia Federal (PF) em Curitiba já esperando que ele deixasse o local finalmente livre. 

Isso ocorreu por volta das 17h30. Libertado pela Justiça do Paraná, a mesma que determinou sua prisão, Lula saiu caminhando da PF acompanhado de seus advogados, da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), de sua futura esposa Rosângela da Silva, a Janja, e outros políticos. Do lado de fora da PF, jornalistas do mundo todo registravam o momento. Já militantes organizavam um corredor humano para que Lula andasse por alguns metros até chegar à vigília. 

Lá, um palco já o esperava para seu primeiro discurso desde a prisão. Ele agradeceu os que o apoiaram enquanto esteve preso. Criticou Moro e Deltan Dallagnol, que nestas eleições foram candidatos e assumiram definitivamente seus interesses políticos. Anunciou ainda que passaria a viajar o país a partir daquele momento fazendo oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PL). 

Vigília 

No dia 8 de novembro de 2019, ao deixar a prisão, o primeiro ato de Lula foi um pronunciamento em frente à sede da Polícia Federal de Curitiba, para o grupo de apoiadores que manteve, por 580 dias, a Vigília Lula Livre 

“Vocês não sabem o significado de eu estar aqui junto de vocês. Eu que estive a vida inteira falando com o povo brasileiro, não pensei que um dia estaria aqui falando com homens e mulheres que durante 580 dias gritaram ‘bom dia, Lula’, ‘boa noite, Lula’, não importava se estivesse chovendo, 40 graus, zero grau. Todo santo dia vocês eram alimento de democracia que eu precisava para resistir”, disse.


Clima é de grande expectativa na Vigília Lula Livre, em Curitiba / Igor Carvalho

 O acampamento foi iniciado no dia 7 de abril de 2018, na Rua Professora Sandália Monzon, no Bairro Santa Cândida, na capital paranaense. 

O reconhecimento exposto por Lula em seu pronunciamento não foi exagero. Além de toda adversidade climática que a Vigília enfrentou por quase dois anos, foram muitas as ações que tentaram desmobilizar e expulsar os militantes.  

Foram registrados casos de disparos contra a Vigília, tentativas de expulsão do acampamento do local, tentativa de corte do fornecimento de água, além de diversos tipos de ataques verbais. 

O dirigente do MST, Roberto Baggio, um dos principais nomes da mobilização, resumiu o que foi o início do acampamento  

“Tínhamos todo o aparelho do Estado, burguesia branca golpista do outro lado. No dia 7 tivemos a primeira batalha, fomos extremamente violentados, com bombas, gás, tiros. Depois de duas horas de violência e massacre, erguemos a Vigília Lula Livre numa decisão coletiva, um juramento de fé e de política que criou esse espaço.” 

Todo esse esforço foi compensado pelo reconhecimento que Lula enfatizou logo na sua primeira fala após a soltura e em diversos outros discursos que viriam a acontecer. Até durante a campanha eleitoral de 2022, Lula fez questão de lembrar da mobilização e agradeceu a permanência ininterrupta dos apoiadores. 

Anulação das condenações

No dia 15 de abril de 2021, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 3 pela manutenção da decisão do ministro Edson Fachin no Habeas Corpus (HC) 193.726, que reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) para julgar as ações penais da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Lula (PT).

Com isso, o petista manteve seus direitos políticos e a possibilidade de se candidatar à Presidência em 2022. As ações penais que estavam no Paraná foram encaminhadas a Brasília (DF).

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Eleições 2022

Transporte Coletivo terá Passe Livre no 2º turno

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Devido ao pleito eleitoral, decreto será publicado nos próximos dias

A Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM) vem a público informar que, em virtude da realização do pleito eleitoral do segundo turno, estabelecerá Passe Livre junto ao transporte coletivo público urbano no domingo (30/10). Desta forma, qualquer cidadão poderá fazer uso dos ônibus da concessionária sem pagar a tarifa, independente do horário. A decisão facilitará a livre circulação de eleitores e o direito de ir e vir para que os cidadãos cheguem às urnas eleitorais.

O decreto atenderá ao previsto na lei municipal nº 8.603, de 25 de janeiro de 2021, que regulamenta a isenção do pagamento da tarifa do transporte coletivo público urbano (Passe Livre) e estabelece o limite de até três dias por ano para o benefício, com prioridade a datas comemorativas e de interesse do poder público. Esta será a última isenção de 2022, já que existiu Passe Livre no primeiro turno da eleição e também no dia 1º de Maio, quando comemorou-se o Dia do Trabalhador.

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