Além de corrigir transtornos de aprendizagem, ação pode contribuir para acelerar encaminhamentos e, assim, reduzir a necessidade de terapia pela rede pública
Do alto de seus quatro anos de idade, Heloísa Soares Alban pode não saber, mas já se tornou uma influenciadora (não-digital) entre o público do Maternal 2 da Escola de Educação Infantil (EEI) Nivaldo Kercher. Há poucos dias, a tendência lançada por ela de tirar o bico da boca e entregar para a Fada da Chupeta ganhou seguidoras. Algumas ainda estão na tentativa. Mas, pelo menos uma colega também já conseguiu se desfazer do artefato. Para alívio da mãe, que – como acontece em tantas casas – vinha enfrentando forte resistência na conquista desta etapa do crescimento. O gesto espontâneo de Heloísa, que já tirou uma carga dos ombros de sua família e da amiga, ocorreu no dia em que a escola recebeu a visita de uma equipe de fonoaudiólogas da Secretaria Municipal de Educação (SMED) – acompanhada da Fada da Chupeta, claro.
“A Heloísa assistiu toda apresentação feita para as crianças, que contava uma história, era super animada, levantou e foi espontaneamente entregar o bico. A mãe da Helena, que é a estudante que abandonou o bico agora, estimulada pela colega, deu risada no telefone, quando ligamos avisando. Porque ela já vinha tentando tirar há algum tempo e não conseguia”, relata a coordenadora da unidade de ensino, Neoclésia Ghissoni.
A servidora conta que as mudanças manifestadas pelas crianças após a passagem das fonoaudiólogas da SMED foi significativa e perceptível. Desde a volta às aulas após a pandemia, o modo como o uso de chupeta e mamadeira se alastrou entre as crianças estava preocupando as educadoras. E mesmo com o envolvimento das famílias, estava difícil reverter a situação.
“Nada teve tanto efeito como o trabalho das fonos. Elas chegam vestidas de personagens de histórias, fazem uma festa e conquistam as crianças. Para nós, é um grande apoio pedagógico”, afirma Neoclésia.
Satisfação compartilhada por Bruna Soares Alban, mãe de Heloísa, que superou dois desafios de uma vez só ao entregar a chupeta:
“Há mais ou menos um mês vínhamos tentando tirar, mas não conseguíamos. A Heloísa é uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e usava bico desde que nasceu. Agora está só com uma cobertinha. Foi um alívio. Ela estava demorando para falar e até nisso ajudou. Até para dormir está melhor, está roncando menos. Estou admirada”, revela a mãe.
Resultados positivos em outras escolas
Depoimento similar ao das educadoras e famílias da Escola de Educação Infantil (EEI) Nivaldo Kercher se espalham pela rede municipal de Caxias do Sul, a partir da iniciativa desenvolvida pela Diretoria Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SMED).
“Na mesma semana em que as especialistas estiveram aqui, já tivemos retorno de inúmeras famílias, que relataram que as crianças, de forma consciente, levaram as orientações para casa e realizaram alguns combinados, como a retirada de chupetas e mamadeiras para melhorar a saúde e a expressão oral. A escola e as crianças de forma individual são contempladas com essas ações. É um trabalho que favorece a todos e enriquece o trabalho na escola. Também é preciso destacar a proximidade destes profissionais atuando diretamente no ambiente escolar e auxiliando com este olhar atento e amoroso”, afirma a coordenadora pedagógica da EEI Aracy Maria Casagrande Sehbe, Cássia Morrudo.
Para a coordenadora da EEI Aprendendo a Viver, a partir da visita da equipe de fonoaudiologia, as próprias educadoras despertaram um olhar mais apurado para as crianças e seus comportamentos de fala.
“As famílias se sentiram acolhidas e amparadas, comentando que a escola e a secretaria estão atentas ao desenvolvimento das crianças e agilizando o processo com a UBS. Enfim, todos preocupados com o bem-estar das crianças e sua evolução”, observou Liliam Luchi.
Para desfazer estrago da pandemia
Desde o início do ano, um grupo de quatro profissionais do Núcleo de Fonoaudiologia Educacional da SMED – COMUNICAR já percorreu 10 escolas da rede municipal, alcançando mais de 300 estudantes e dezenas de professores com o projeto ComunicAÇÃO – de assessoria aos educadores e realização de ações com os alunos em torno dos hábitos orais nocivos. A iniciativa pedagógica é mais uma entre várias desenvolvidas pela secretaria, atingindo toda a rede, direta ou indiretamente, com o propósito de recuperar o aprendizado e a convivência dos estudantes dos escombros da pandemia, que tirou a vida escolar da normalidade nos últimos dois anos.
“É um trabalho que começou com a busca ativa na rede, para saber das necessidades coletivas das escolas e envolve prevenção, promoção da saúde e comunicação”, revela a fonoaudióloga Lisiane Catusso.
Os professores recebem assessoria técnica, em forma de mini-oficinas nas áreas de linguagem, audição, comunicação aumentativa e alternativa e consciência fonológica, dentre outras. E para as crianças, há ações de prevenção aos distúrbios causados por hábitos orais nocivos, trabalhadas por meio de atividades lúdicas, como teatro com fantoches, contação de histórias e atividades musicais.
“Entre os objetivos está o abandono do uso prolongado da chupeta e da mamadeira, por exemplo, além da estimulação das funções de mastigação, respiração e fala”, explica Lisiane.
Para completar, o trabalho também ajuda a acelerar o andamento de parte da fila dos atendimentos pela saúde pública.
“Com as fichas de observação desenvolvidas pela equipe de fonoaudiologia da SMED e preenchidas pelas professoras e coordenadoras, a criança com suspeita de alterações fonoaudiológicas pode ir direto da UBS para o processo de triagem, sem a necessidade de passar por mais uma avaliação médica. Já se antecipa uma etapa no encaminhamento para a terapia” acrescenta a profissional.
Formação adicional para professores
Além da abordagem de fonoaudiologia educacional com as crianças, 2022 também acrescentou uma nova formação ao quadro de professores da SMED – já acostumado à exigência de qualificação contínua. A mesma equipe de profissionais do COMUNICAR desenvolve outro projeto, que oferta capacitação sobre as habilidades que antecedem a aquisição da leitura e da escrita e que são responsáveis por fornecer um suporte rico e adequado para a alfabetização.
“O objetivo desta ação foi proporcionar aos professores a compreensão acerca das habilidades preditoras necessárias para o sucesso na alfabetização e como adquiri-las, já que são fundamentais para que o estudante desenvolva a capacidade de refletir sobre a própria língua”, explica a diretora pedagógica da SMED, Paula Martinazzo.
Professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Caetano Costamilan, Marcélia de Avilla relata: “Foi a primeira vez que tive a oportunidade de estar em contato com assuntos tão pertinentes no dia a dia de uma sala de aula que visa a alfabetização e o letramento. E, poder pensar sobre a complexidade de todo este processo trouxe alívio a
algumas inquietações e preencheu algumas lacunas. Só tenho a agradecer”.
Na formação foram abordados o processamento auditivo central, visual, cognitivo, a velocidade de processamento e a consciência fonológica. Os participantes tiveram acesso à teoria e prática das habilidades relacionadas a estas temáticas, oferecidas em quatro encontros presenciais no Instituto de Leitura Quindim e no auditório da SMED.
“2022 é o primeiro ano que leciono no primeiro ano do ensino fundamental. O curso tem me ajudado muito, diariamente. Com ele, pude aprender e refletir sobre o processo de alfabetização. Além disso, foram-me apresentadas muitas atividades que poderiam ajudar os meus alunos, muitas das quais não tinha tido contato anteriormente. Agradeço a dedicação das fonos em todas as aulas”, comenta a professora da EMEF Manoel Pereira dos Santos, Fernanda Capelini.
Fotos: Elisabete Bianchi