Educação

Rede Municipal de Ensino já tem 16 estudantes identificados com Altas Habilidades ou Super Dotação

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Outros 19 alunos do ensino fundamental estão sob avaliação. Secretaria Municipal de Educação (SMED) oferece assessoria específica para professores

Há alguns anos, um dos maiores expoentes da arte contemporânea nascida e criada no Brasil – especialmente aquela com a inspiração da rua – é o duo paulistano OSGEMEOS. Explorando técnicas de pintura, desenho e escultura, os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo levam seus nomes e seu trabalho a dezenas de países do mundo. Recentemente, o mecânico Roberto Gonçalves, de Caxias do Sul, começou a ver indícios de que pode ter os aspirantes a versão local da dupla dentro de casa. Pai dos gêmeos Gabriel e Gustavo Gonçalves, 11 anos, ele não precisa investir tanto em brinquedos como aquele famoso conjunto de peças plásticas de encaixar e montar. Os meninos preferem muito mais um rolo de fita crepe, que lhes oferece a possibilidade de construir o que bem entenderem, no momento em que tiverem a ideia, desde um barco pirata até um dinossauro. Isso quando não estão ocupando folhas de papel como se fossem telas de artes plásticas, dando-lhes um banho de tintas e cores. Introspectivos e cheios de energia, os dois estão entre os estudantes da rede municipal de ensino com trabalhos expostos no mezanino do Centro Administrativo Municipal até sexta-feira (12), durante a realização da primeira Semana Municipal de Altas Habilidades e Super Dotação.

Matriculados na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Manoel Pereira dos Santos, Gabriel e Gustavo Gonçalves são exemplos de um perfil de estudante que desafia a habilidade e o conhecimento geralmente exigidos dos professores. Muitas vezes, os traços de comportamento apresentados por crianças e jovens como eles podem levar a uma confusão sobre tratar-se de Trastorno do Espectro Autista (TEA) ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) – e em várias ocasiões, esta é realmente a avaliação correta. Contudo, há momentos em que o conjunto de características de cada indivíduo resolve dialogar entre si e pedir passagem ao mesmo tempo. Ou seja, é possível que quadros de TEA ou TDAH apareçam junto com Altas Habilidades e Super Dotação (AH/SD).

Para ajudar a identificar, distinguir e encaminhar corretamente estas situações é que desde o início de 2022 o quadro de professores da Secretaria Municipal de Educação (SMED) conta com uma assessoria técnica do setor de Atendimento Educacional Especializado (AEE) especificamente voltada para Altas Habilidades e Super Dotação. Atualmente, já há 16 estudantes identificados com AH/SD e outros 19 sob avaliação na rede municipal de ensino.

“O carro-chefe de todo o processo é a identificação, para que possamos encaminhar o estudante para o AEE, onde terá acesso à suplementação das atividades. E agora já estamos buscando parcerias com outras instituições, a fim de buscar recursos capazes de ampliar a oferta de programas”, revela a assessora técnica Valéria Castilhos.

Estratégias para responder a desafios contínuos

Valéria também é professora na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Carlin Fabris, onde a novidade entre alguns estudantes mais curiosos é o Role-Playing Game (RPG) – um tipo de jogo analógico que requer e desenvolve habilidades narrativas, interpretativas e lógicas. Popularizado em meados da década de 1970, nos Estados Unidos, um dos títulos mais conhecidos no formato, Dungeons & Dragons, voltou a ser assunto entre o público jovem graças aos serviços de streaming de vídeo.

“Conheci o jogo no YouTube e comecei a apresentar agora aos colegas. Ainda estou aprendendo e tentando montar um grupo para jogar. O mais legal é a emoção, imaginar os lugares e criar a história”, conta Maria Clara Ribeiro Goulart, 14 anos, aluna do 8º ano.

Uma das primeiras parceiras no manejo dos bonecos em miniatura de aventureiros e exploradores, tabuleiros, escudos de papel e dados com 20 lados manifesta sentimento parecido:

“Descobri o jogo pelo YouTube e gostei muito. Tem a emoção das batalhas, a atuação…”, comenta Lauren Dotti da Cunha, 13 anos, aluna do 7º ano.

A utilização do RPG ilustra parte das estratégias desenvolvidas pelos professores para dar conta do desafio imposto pela capacidade além da média dos estudantes. Atualmente, 20 escolas da rede municipal já integram o movimento.

“Estes alunos costumam ser muito autodidatas. Eles buscam assuntos por conta própria e trazem para sala de aula. Isso também faz com que nós, professores, tenhamos de acompanhar este ritmo. É algo que nos desafia e também faz com que procuremos alternativas para responder a esta demanda apresentada por eles”, afirma Valéria Castilhos.

No caso de Roberto, pai dos gêmeos Gabriel e Gustavo Gonçalves, até o momento, um grande baú de sucata e materiais diversos tem sido o maior aliado:

“Se der um brinquedo novo para eles, lógico que vão gostar, porque são crianças. Mas vai atrair a atenção deles por pouco tempo. Por outro lado, com um rolo de fita, eles constroem tudo o que vier na cabeça, até parar”.

Alerta para frustrações diante das dificuldades

Primeiro passo para a abordagem do tema, a identificação de um estudante com Altas Habilidades ou Super Dotação (AH/SD) começa pela observação de comportamento – interesses mais destacados e resultados de aprendizagem em um ou mais componentes curriculares.

“Geralmente é possível observar que o estudante aprende mais facilmente que os demais colegas, é imaginativo, criativo e curioso, está sempre bem informado, possui múltiplos interesses e alguns deles, acima da idade. Costuma ser uma criança ou jovem resistente a rotina e repetição”, explica a Gerente de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação (SMED), Silvana Cagol.

A especialista revela que a identificação efetiva de casos de AH/SD requer o envolvimento de uma equipe multidisciplinar com profissionais de saúde e educação – educadores, psicólogos, psicopedagogos e outros. O processo tanto pode abranger testes de inteligência como avaliação pedagógica, analisando habilidades acima da média, comprometimento com a tarefa e criatividade.

“A característica de Altas Habilidades ou Super Dotação não é considerada um transtorno, condição ou vantagem. Ela está relacionada diretamente com a capacidade cognitiva geral, ligada à inteligência. O potencial elevado pode aparecer em qualquer uma das destas áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, de liderança, psicomotricidade e artes”, esclarece Silvana.

O tema passou por transformações, ao longo do tempo. No passado, costumava-se considerar apenas a ideia de genialidade. Hoje, o olhar dos estudiosos vai além do acadêmico, pois com o desempenho elevado em uma área do conhecimento, o indivíduo já pode ser considerado altamente habilidoso ou super-dotado.

“É muito importante orientar aos pais para que conheçam o funcionamento do seu filho e que dentro do possível, seja ofertado o que de fato é a área de interesse da criança ou jovem. E para além disso, é fundamental um acompanhamento psicológico para que o estudante se reconheça, saiba lidar com suas frustrações e compreenda as suas diferenças”, pondera a Gerente de Educação Especial da SMED.

A especialista alerta para uma armadilha bastante comum no caminho do desenvolvimento destes alunos:

“O mais difícil para crianças e jovens AH/SD costuma ser o estabelecimento de vínculos, o acesso a tudo o que desejam e o controle das frustrações e das ansiedades. Para os familiares, existe a carga de lidar com as frustrações dos filhos, com a inabilidade dos sistemas educacionais e profissionais, que terão limitações, e com o estabelecimento de limites. E para os professores, além de todos os anteriores, o desafio está em lidar com as frustrações dos estudantes e familiares diante destas mesmas dificuldades”, conclui Silvana.

Fotos: Elisabete Bianchi

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